lançamento



O livro será lançado no dia 17 de dezembro de 2012, às 19h, na Fundação Cultural Badesc e distribuído gratuitamente.

apresentação do projeto

O trabalho com(o) fracasso é um projeto de pesquisa em artes que tem o fracasso como conceito norteador, compreendido como uma instância que propulsiona, integra ou repercute nos trabalhos e nos gestos artísticos. Como aponto na introdução, a primeira tarefa da pesquisa foi torcer e estender a acepção habitual de fracasso como mera diferença entre projeto-resultado, como ponto final e negativo de um empreendimento, como oposição a um sucesso.

O ponto de partida da pesquisa é a minha própria produção como a artista, onde o fracasso começa a ser investigado. A partir desse processo se estruturam as aproximações com a produção de outros artistas, bem como a leitura de autores e escritores que se dedicaram a pensar o tema do fracasso.

A metodologia adotada foi a de um trabalho em poéticas visuais, um entrecruzamento entre a prática artística e a sua reflexão teórica, em que o artista desenvolve seu trabalho, escreve sobre seu próprio processo, observando e descrevendo seus procedimentos e conceitos e, simultaneamente, estabelece diálogos com outras referências teóricas e artísticas.

O projeto foi desenvolvido ao longo do segundo semestre de 2012, incluindo uma pesquisa sobre trabalhos realizados desde 2002, trabalhos desenvolvidos durante o período, especificamente para o projeto, e uma reflexão sobre o tema a partir de leituras e conversas com outros artistas e pesquisadores. 

Sem obedecer necessariamente uma estrutura linear, a pesquisa contou com as seguintes etapas: pesquisa, análise, elaboração de relatos e reflexões sobre o fracasso no trabalhos artísticos; levantamento e revisão bibliográfica e artística sobre o tema; entrevistas e coleta de dados junto a outros artistas. Nesta etapa, colaboraram de forma especial, através de encontros, conversas e troca de emails, os artistas Julia Amaral, Bil Lühmann e Giorgio Filomeno. As pesquisadoras, Ana Lucia Vilela e Raquel Stolf, também trabalharam no projeto, contribuindo para a discussão do conceito e organização do livro e desenvolvendo textos especificamente sobre o tema para a publicação.

O formato de um livro foi a estratégia escolhida para a apresentação e condensação dos conteúdos pesquisados. A concepção e edição do livro procurou evitar a estrutura mais convencional de uma simples coletânea ou de um catálogo, mas assumir o desafio de construir um pensamento no formato-publicação. Assim, a organização levou em consideração as especificidades e potenciais da publicação de artista, de forma que o livro é, neste caso, simultaneamente, o ‘produto’ de uma pesquisa e um trabalho artístico. 

Mais que classificar e/ou mapear exaustivamente o fracasso na produção artística, o livro apresenta 4 blocos:
parte 1: uma reflexão introdutória, texto de apresentação de Ana Lucia Vilela e de Raquel Stolf,
parte 2: relatos sobre os trabalhos,
parte 3: um inventário de coisas não feitas, projetos impossíveis ou que não deram certo, cuja redação foi desenvolvida a partir da pesquisa realizada nesta série de leituras e entrevistas com outros artistas e pesquisadores,
parte 4: relatos de trabalhos não realizados pela artista.
vocabulário:  uma edição de desenhos desenvolvidos durante o processo de pesquisa, como parte do projeto.

Editado como uma narrativa, inacabada e incompleta, o livro reúne diálogos e pontos nodais para um processo de pensamento em torno do fracasso. Ou seja, não há conclusão nem prescrição, mas relatos sobre coisas recebidas/vistas/ouvidas/lidas/lembradas em torno da potência do que não foi (pensando no que ainda não se começou ou naquilo que não se pode terminar).

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Aline Dias é artista, atualmente Doutoranda em Arte Contemporânea pelo Colégio das Artes da Universidade de Coimbra, em Portugal - bolsista CAPES Proc. n.1107/12-7. É Mestre em Poéticas Visuais (Universidade do Rio Grande do Sul) e Bacharel em Artes Plásticas (Universidade do Estado de Santa Catarina). Integrou a equipe técnica do Museu Victor Meirelles / IBRAM entre 2003-7 e 2009-10. Realiza pesquisas, curadorias e projetos editoriais, destacando-se a organização do livro cadernos de desenho, contemplado pelo Edital Elisabete Anderle, 2009, o documentário asp.doc, contemplado no V Prêmio Funcine, bem como as recentes curadorias desejo do verme (Memorial Meyer Filho) e papel de desenho (Circuito de Itinerância SESC-SC 2012-15). É integrante da Corpo Editorial, através da qual co-organiza a revista bolor. Entre suas exposições destaca-se a mostra individual ficar de pé n.2 no Museu de Arte de Santa Catarina, cujas obras passaram a integrar o acervo deste museu, através de recursos do Prêmio Marcantonio Vilaça da Funarte 2009.
Contato: alinemdias@hotmail.com


i would prefer not to

o narrador começa dizendo que abriu mão das biografias de todos os escrivães para contar algumas passagens da vida de bartleby. ele diz que talvez pudesse escrever a vida completa de outros copistas, mas não é possível fazer isso com bartleby. ele ainda diz que bartleby era uma dessas criaturas a respeito das quais nada se pode averiguar, exceto nas fontes diretas, e estas, eram muito poucas. aquilo que vi, com os meus próprios olhos, é tudo o que sei a respeito dele.
o narrador, um advogado em nova york, emprega bartleby - que se recusa ao trabalho de copista/escrivão. bartleby é despedido mas não deixa o lugar. o narrador se muda, perturbardo. bartleby é levado à prisão, se recusa a comer e acaba morrendo. ele não diz não, ele diz:
i would prefer not to.





no livro do desassossego: perder tempo comporta uma estética.
adília lopes diz que se arrepende de ter jogado fora o filme que fez em 1974, com uma câmera super 8.

ela conta que a sua avó materna e a tia-avó passavam as tardes na sala de estar, sentadas no sofá, sem fazer nada. a avó materna, quando o sol ficava encoberto, dizia: lá vamos para o túnel! ela diz que era como se estar assim em casa, sem fazer nada, fosse viajar de comboio. estavam atentas à passagem do tempo. eu acho isto importante.
tiago romagnani me enviou fotografias de uma bússola naval danificada em uso que encontrou no chile. ele disse: acho que é um fracasso interessante.
cildo meireles diz que a nebulosidade tem sido uma das premissas do seu trabalho. nebulosidade no sentido de que o trabalho pressupõe um caminho cujo fim não sabemos. ele compara o trabalho do artista com o do garimpeiro, que se define como alguém que vive de procurar o que não perdeu.
em 1988, felix gonzalez-torres expôs uma pilha de folhas de papel branco, que podiam ser levadas pelo público.
francis alys arrasta um bloco de gelo pelas ruas da cidade do méxico até seu derretimento, por mais de 9h. o fracasso como questionamento da noção de produtividade ou do sentido atribuído aos gestos.
a desproporção entre esforço e resultado, sinalizada já no título: paradoxo da prática 1 (às vezes fazer alguma coisa leva a nada).
por mais de dez anos, o artista tentou fazer uma seqüência lógica para o trabalho (às vezes não fazer nada leva a algo), para ilustrar o princípio contrário. seu fracasso em pensar algo para esse tema levou a outros trabalhos baseados num questionamento da eficiência.
eric watier fez um inventário de destruições, listando artistas que queimaram, destruíram, jogaram fora ou abandonaram seus trabalhos.
o primeiro livro de roni horn, intitulado bluff life, reúne uma série de desenhos. ela esteve em um farol, um lugar isolado, praticamente inabitado, sozinha, por dois meses. eu quis, ela diz, ir para um lugar distante e isolado e estar lá. eu queria estar lá sem muito para fazer nem muita coisa acontecendo. chegar ao ponto de nao ter expectativas. planejava estar o mais próximo possível de um estado de estar presente sem influenciar as coisas ou o lugar. o desejo de estar presente e fazer parte de um lugar sem mudá-lo, mesmo sabendo qe esse desejo só pode ser frustrado.





to see a landscape as it is when i’m not there






yous in you, na basileia, é um passeio criado por roni horn ao lado de uma estação de trem. o piso é constituído por concreto e um material emborrachado, que se mimetiza ao concreto. ambos, na verdade, mimetizam uma formação basáltica da islândia e são feitos a partir de moldes. a diferença entre eles é imperceptível para a visão. a diferença só é percebida e, sutilmente, ao caminhar. ela diz que há diferença entre a experiência sensorial de pisar o concreto que reflete o som e o peso e de pisar a borracha, que os absorve.
na bienal de veneza de 1993, gabriel orozco apresentou uma caixa de sapatos vazia, colocada diretamente sobre o chão.
guto lacaz, em uma palestra, contou algumas histórias de fracassos. ele relatou um fracasso seu que virou público: em 1989, fez uma intervenção no parque ibirapuera, chamada auditório para questões delicadas. nesse trabalho, cadeiras flutuavam no lago. no dia seguinte à inauguração, uma imagem no jornal anunciava: cadeiras de guto lacaz naufragam. eu morri de vergonha, ele disse. durante dois meses, guto lacaz trabalhou, experimentando materiais, pedindo ajuda, fazendo testes, estudando o lago para que a instalação suportasse os ventos e a correnteza. ele diz: é normal algo sair errado. e também: a minha relação com os erros é de ódio, mas também de aprendizado. guto lacaz diz que queria ser engenheiro naval, mas era ruim em matemática.

rubens mano fotografa os outdoors em branco, quando ainda não tem imagens.
em museu das vistas, carla zaccagnini propõe que as pessoas descrevam a vista de um lugar para um retratista policial fazer um
desenho. uma patética frustração permeia a experiência, não só com relação ao desenho, mais ou menos inábil, mas sobretudo em relação à nossa incapacidade de descrever, de falar meticulosamente da imagem de um lugar.
gonçalo tavares diz que a linguagem não pode ser um lugar de comunicação, mas da incomunicação, isolamento, ambigüidade. ele propõe falar sempre como se estivesse na floresta, sem o pressentimento de um negócio a ser estabelecido, sem necessidade de comunicar. um lugar incomum, que desequilibre. fala de frases que vêm da floresta.



no livro do desassossego: nós nunca nos realizamos.
em busca do milagroso é o nome do trabalho final de bas jan ader, concebido como um tríptico, envolvendo, na primeira parte, canções de marinheiros e imagens noturnas de los angeles; na terceira, imagens em amsterdã. a segunda parte consistia na travessia solitária do oceano atlântico, no que seria o menor barco a fazer esse percurso. seu barco foi encontrado na irlanda, seis meses depois de sua partida. bas jan ader desapareceu no oceano.

tacita dean diz que bas jan ader estava fazendo um trabalho de arte, e que o trabalho não consistia em desaparecer, mas em atravessar o oceano sozinho, inclusive como resposta à jornada que o levou da europa à califórnia. ela diz que se ele tivesse completado a travessia nunca pensaríamos o sufiente sobre o que significa atravessar o oceano sozinho em um barco tão pequeno.
ela ainda diz que: whatever we believe or whatever we imagine, on a deep deep level, not to have fallen would have meant failure.


cair é uma ação recorrente em suas fotografias e filmes. ele cai de bicicleta em um lago. ele deixa-se cair de uma cadeira do telhado de uma casa. ele cai de um galho de uma árvore.





thoughts unsaid then forgotten
tacita dean fez uma gravação do áudio de vento e granizo de uma fortíssima tempestade. a bbc e a rádio 3 recusaram a transmitir porque não havia suficientes pistas narrativas. ela diz que o pro-blema era o silêncio. ela utilizou uma seqüência muito grande de silêncio. era o siêncio antes de uma tempestade que eu tinha conseguido capturar. ela comenta que na rádio há um gabarito de silêncio que não se deve ultrapassar e que, quando tem silêncio demais, ouve-se uma música patriótica na sede da bbc.
em 2006, fiz uma série de fotografias intitulada pedras que boiam. as imagens são ambíguas, a água está transparente e sem ondulações. em algumas imagens pode-se ver até a sombra da pedra no fundo. não se pode ver na foto, mas as pedras são papéis pintados de preto com carvão, amassados e depois dobrados e colados, de forma a parecer uma pedra. são ocos. eu coloquei na superfície da água e fotografei.
depois de algum tempo eles se afastaram da margem, foram se desintegrando e afundaram.
em malone morre, o personagem de samuel beckett fala de trabalhos que não terminam senão deixando-os de lado. trabalho chato e de utilidade duvidosa, como são grande parte dos trabalhos. ele diz que poderia escolher lentilhas até o amanhecer que seu objetivo, deixá-las limpas de toda a impureza, não seria atingido. pararia no fim, dizendo, fiz o que pude. mas não teria feito o que poderia. ele diz: vem sempre o momento quando a gente desiste, por esperteza, desanimado, mas não ao ponto de desfazer tudo o que já tinha feito.
ele se autoquestiona: mas se a sua meta ao escolher lentilhas não era afastar tudo o que não fosse lentilha, mas só a maior parte, e daí? não sei. há outros trabalhos, outros dias, quando a gente pode dizer sem se enganar muito que está acabado. embora eu não veja quais.
no telefone um artista me disse que tem especial apreço pelo fracasso de giacometti, relatado no livro um retrato de giacometti, em que o autor descreve as sessões em que o artista faz o seu retrato e inúmeras vezes destrói a imagem.

no telefone, eu perguntei sobre um trabalho, de uma caneca de cerâmica, bastante pesada, que exigia ser segurada com as duas mãos. ele pretendia usar aquela caneca em casa. o peso fazia com que se tornasse mais difícil conciliar a atividade de beber água com outras coisas. a idéia era estar presente. evitar beber água automática e apressadamente, mas estar atento e consciente do seu gesto. eu perguntei desse trabalho e ele me disse que se sentia patético quando tomava água, quando olhava a caneca. ele me disse que a idéia toda da caneca estava ligada a um contexto específico, e que representava uma resposta a uma demanda programada, a uma sensibilidade que se estava propondo formar naquele contexto. ele dá aula de artes no ensino básico e secundário. eu perguntei como ele convivia com o fracasso que é dar aula.

eu conversava com ele no telefone e sabia que ia me esquecer de quase tudo, sobretudo das palavras que ele tinha dito.
a artista leila danziger diz em uma entrevista que precisa fazer alguma coisa com as agendas em branco que achou nas gavetas do pai. agendas de mais de 50 anos atrás e que nunca foram usadas por ele. ela diz: preciso responder a esses objetos, que me solicitam de alguma forma. como se eles esperassem por mim. é como se eu tivesse alguma responsabilidade sobre eles (e tenho mesmo).

nuno ramos, em ó, fala da prisão da produtividade, do pequeno demônio que grita em nós o tempo todo: aproveite o tempo, concentre-se, estude, ganhe dinheiro. ele diz que, nesses imperativos, uma produtividade difusa, a constância de propósitos e a fuga de qualquer dissipação, faz de casanova ou ford funcionários de um mesmo patrão. ele diz que admira quem responde a fatídica pergunta: o que tem feito? com um não sei ou um nada ou nem sequer responda, absorto em outra coisa.




as hidrelétricas unificam num único motor, inúmeras possibilidades físicas e simbólicas, do mundo natural, produzindo inevitavelmente um excesso de energia nessa canalização forçada. a energia de uma usina não é gerada pelas águas ao mover as turbinas imensas, mas é antes o resultado natural e inevitável da restrição simbólica, feita a ferro e fogo, por séculos e séculos, de tantas possibilidades e metáforas – da transformação de uma força absolutamente ambígua (a água) no combustível desencantado da engrenagem de um motor. é este radical empobrecimento poético daquilo que pode estar aprisionado na água que efetivamente produz a eletricidade.
possa para mim esta noite
durar duas noites

julia amaral me enviou uma lista de trabalhos impossíveis e não
realizados. um dos projetos é o de fundir um cavalo-marinho. eu tenho um esqueleto de cavalo-marinho, que guardo desde criança. eu poderia dar meu esqueleto de cavalo-marinho para a julia fazer a fundição. seria um final feliz, contribuir para o possível. mas não sei se consigo, porque sou muito apegada a ele.

outro projeto listado pela julia é de fazer uma pedra voar.
rubens mano fez fotos de arranjos que as camareiras fizeram em um hotel no méxico com o tecido das roupas de cama, toalhas e papel higiênico dobrados.



ele fala que o convite ou qualquer tipo de sinalização institucional para ações e intervenções urbanas enquadram a experiência, criam marcos ou molduras que não só registram ou divulgam, mas que preparam e programam as pessoas para ver um trabalho de arte.
desavisado, o trabalho pode não ser visto como arte.
pode não ser visto.



rubens mano, em 2002, instalou na bienal de são paulo uma estrutura de vidro e ferro junto à arquitetura do edifício no lado oposto à entrada principal. o trabalho, intitulado vazadores, instaurava, de forma muito sutil, uma passagem não oficial e não controlada para a exposição. permitia que as pessoas entrassem e saíssem do edíficio gratuitamente e independentemente do circuito oficial. a insti-
tuição, à revelia do artista, adotou mecanismos de controle de fluxo junto ao trabalho. depois de uma longa negociação não resolvida, o artista pediu para se retirar da mostra.
robert walser pára de escrever e realiza caminhadas.
os microgramas, como ele se referia, foram escritos entre 1924 e 1932 por walser. 526 folhas de papéis de formatos diferentes, densamente cobertos por uma letra minúscula, escritos a lápis e aparentemente ilegíveis. depois de 10 anos da sua morte, em 1966, werner morlang e bernhard echte começaram um trabalho minucioso, de decifração desses textos, tomados como ilegíveis, cifrados ou sem sentido. entre 1985 e 2000, foram publicados seis volumes dos microgramas na alemanha, reunindo textos breves, poemas, romance e cenas teatrais.
raduan nassar parou de publicar depois de poucos livros escritos.
antes disso, ele deixou o curso de direito no último ano. desisitiu e abandonou outros planos também. em uma entrevista, ele disse preferir criar galinhas. desde que deixou a literatura, ele se dedica à agricultura no interior de são paulo. no auge da produção, raduan doou a fazenda (avaliada em 20 milhões de reais) e todos os equipamentos para a universidade federal de são carlos para
construir a sede de um campus de ensino superior. desembolsou 400 mil reais em impostos. uma das condições era que a imprensa não estivesse presente.
louise hopkins desenha, cuidadosamente, sobre as linhas da grade de um papel quadriculado.
francis ponge não obteve aprovação final na licenciatura em filosofia por não conseguir falar no exame oral.
em métodos, ele deseja que o homem, cansado de ser considerado um espírito (a convencer) ou um coração (a perturbar), passe a se conceber como algo de mais material e de mais compacto, de mais complexo, de mais denso, de mais bem ligado ao mundo e de mais pesado a deslocar (mais dificil de mobilizar). não o lugar onde idéias e sentimentos vêm nascer, mas onde se confundem e se destroem.
ele reivindica uma insubordinação resoluta às idéias e fala dos artistas e das obras de sua preguiça. que trabalhar, ao artista, significa, antes de qualquer outra coisa, não fazer nada.

no texto tentativa oral, transcrição de uma conferência em bruxelas em 1947, ponge comenta o absurdo do propósito de fazê-lo falar. ele diz que escreve porque gosta mais de viver sozinho. diz que escreve contra a palavra oral e as besteiras que solta numa conversa. que escreve contra as insuficiências de expressão, por um mal-estar e vergonha contra a palavra oral, para se corrigir ou se vingar.
ele diz que, quando falamos, roubamos silêncio, e invoca as coisas presentes: paredes, tábuas, chaves nos bolsos, coisas que se calam à força, a contragosto.




ponge diz: eis a definição das coisas que amo: são aquelas de que não falo, de que tenho vontade de falar e não consigo.
raquel stolf grava e coleciona silêncios. ela diz que a sua coleção de silêncios parece muito vulnerável, pois os silêncios tendem a sumir ou estão sempre acompanhados ou acostumados a desaparecer ou a ser danificados.



projeto sem fim 5: (tentar não ficar tanto em casa)
projeto sem fim 6: (tentar não ficar tanto dentro de casa)
projeto sem fim 7: (tentar não ficar tanto fora de casa) 



raquel stolf me enviou uma lista de projetos intermináveis, de conversas compridas e de outras coisas em processo. alguns projetos estão sinalizados entre parênteses: projeto muito difícil de realizar. o número 1 é o projeto para diminuir o volume do som do mundo. no final da lista ela escreve: gostaria realmente de realizar os projetos acima.
paulo herkenhoff pergunta: qual museu brasileiro tem a moeda de zero centavo ou de zero cent de cildo meireles?
em 1926, o grande vidro de duchamp quebrou-se, no trajeto para uma exposição em nova york. duchamp não substituiu o vidro. colou, ele mesmo, laboriosamente, dez anos depois. o trabalho é exibido hoje com as rachaduras. além disso, ele manteve a superfície na horizontal em seu ateliê por vários meses e dedicou-se a observar e fixar as camadas de poeira sobre o vidro.

em suas notas, duchamp fala de um aparelho para registrar, colecionar, transformar pequenos excessos e desperdicios de energia: o excesso de pressão / sobre um interruptor, a exalação / da fumaça de tabaco, o crescimento / do cabelo e das unhas, a / queda da urina e da merda / os movimentos impulsivos de medo, / de assombro, o / riso, a queda de lágrimas, / os gestos demonstrativos das mãos, / os olhares duros, os braços / que se movem ao longo de corpo, / o estiramento, a expectoração / (...)


ready-made (paradoxalmente) não realizado, de 1917: compre um dicionário e risque as palavras que devem ser riscadas.
giorgio filomeno tem o projeto de ter filhos gêmeos, inseminados artificial e separadamente num intervalo temporal de 6 anos.
o avô materno de carlos asp era contabilista de uma estrada de ferro e pintor nas horas vagas. a avó dele, depois de viúva, temendo antecipadamente ciúmes do novo marido, queimou todas as suas pinturas.
em uma fotografia, sigurdur gudmundsson segura uma pedra nas duas mãos e tem balões de gás hélio amarrados nos cabelos.
em outra imagem, ele equilibra horizontalmente uma grande barra, de forma precária, tentando fazer coincidir a posição da barra com a linha do horizonte na imagem.
em 2007, convidado para fazer uma intervenção num espaço de arte,
antoni muntadas abriu as janelas.
robert rauschenberg pediu um desenho a william de kooning para ser apagado. de kooning escolheu um desenho difícil de ser apagado, com crayon, tinta, carvão e lápis. rauschenberg passou muitas semanas envolvido no processo, utilizando vários tipos de borrachas. essa imagem apagada foi exibida em dezenas de instituições diferentes desde 1963 (dez anos depois de realizada).
dona edna me contou que gostava muito de um conto do guimarães rosa: o burrinho pedrês. ela me disse que lia muitos contos porque com três filhos pequenos não conseguia ler romances.
federico peralta ramos recebeu em 1968 um prêmio de 6 mil dólares na categoria de pintura da fundação guggenheim. dois anos depois, é solicitado um relatório da bolsa. ele escreve uma carta, em 1971, justificando que se dedicou a viver. a fundação pede que peralta devolva metade do valor recebido. em sua segunda carta, ele diz: a minha carta de 14 de junho de 1971 é um tributo à liberdade. uma organização de um país que alcançou a lua, que possui a limitação de não compreender e apreciar a invenção e a grande criação que tem sido a maneira que eu gastei o dinheiro da bolsa, me mergulha num mundo de confusão e espanto. retornar os 3 mil dólares que vocês me solicitam seria a mesma coisa que não acreditar em minha atitude, por isso decidi não devolvê-los. esperando que essas linhas sejam interpretadas como temperamento artístico, os saúdo atenciosamente.
um desenho de nedko solakov, no livro 99 medos, é acompanhado por uma legenda que descreve uma nuvem que possui um medo enorme de se espalhar com o vento e que tenta se concentrar, ficar coesa. ele escreve: talvez tenha sucesso.
em outro desenho, solakov fala de um buraco negro albino que se sente muito desconfortável porque, apesar da enorme energia que possui, ninguém o teme apropriadamente.
no ateliê descrito por balzac, em a obra-prima ignorada, a pintura a que se dedica obsessivamente o pintor não apresenta, de longe, nada além da materialidade da tinta e das pinceladas numa superfície informe. quando os personagens se aproximam, conseguem perceber, em meio à desordem de cores, um fragmento de pé, no canto da tela.
didi-huberman diz que o pé, nessa cena, é o pan, é o que resta do processo da pintura e do seu fracasso em relação ao ideal de seme-lhança (a mulher representada). ele diz ainda que o sonho de uma pintura perfeita, sem restos, significa uma submissão a um ideal matemático (adequação ao projeto de representação) ou de metamorfose (o desejo de que a pintura tome a forma do que representa).
josé antonio lacerda escreveu em um de seus cadernos: olhar com o gato separa o seu tempo disponível.
1 projeto não realizado: um carro-forte / x litros de hcl / um “aquário” bem grande que caiba um carro-forte dentro.
2 projeto não realizado: uma resistência ligada junto a um espelho e o ar quente interferindo e/ou obliterando a imagem.
uma outra anotação sua diz: a ética da improdutividade: vencer a culpa, é a culpa quem nos arranca da cama.

ele também fala de uma imagem que perde sua energia a caminho da exposição.
preto fosco e preto brilhante: maíra dietrich retirou do envelope lacrado duas folhas de papel fotográfico, uma fosca e outra opaca.
francis alys há mais de dez anos tenta entrar dentro de um tornado.
antonio tabucchi, em festivais, narra a história de um advogado que relembra o trabalho de um cineasta. filmes que ninguém viu: sessões de julgamento de cidadãos acusados de atividades contra o estado, num país sob vigilância, filmadas com a câmera vazia, sem filme, porque a presença da câmera fazia com que as penas fossem mais indulgentes.
em notas para uma pedagogia visual bem-humorada, waltércio caldas fala de encontrar satisfação nos riscos, de acreditar nas dúvidas, cultivar suspeitas e que as obras dependem do desconhecido. ele escreve: procure ver somente o necessário. a quantidade indiscriminada de coisas visíveis pode reduzir em muito a qualidade das
experiências.
max brod não queimou os textos de kafka.
kurt schwitters trabalhou na merzbau em hannover por cerca de 15 anos. ela foi destruída por um bombardeio durante a segunda guerra.

em 2010, tiago romagnani tentou, com um macaco hidráulico e a ajuda de algumas pessoas, mover alguns poucos centímetros uma grande pedra de cerca de 45 toneladas em um costão, junto da praia. eu perguntei: naquele dia, na praia, a pedra mexeu? dá pra saber quanto? ele respondeu: moveu sim, duas vezes, alguns poucos centímetros. é bonita a tentativa, levada realmente a sério, de mover uma pedra e lidar com o seu peso (literal e metaforicamente).



tiago romagnani me disse que o trabalho em que tenta mudar o sentido de crescimento de uma planta, fracassou inúmeras vezes e que ainda não deu certo. isso porque as plantas sofrem ao serem transportadas (são paulo-acre-rio de janeiro) ou ficarem em instituições no intervalo entre as mostras. ele disse que, como se pode imaginar, era o único trabalho que efetivamente dava trabalho no “depósito”. em outro espaço expositivo, no rio, o ar condicionado era irregulável, muito forte, matou a maior parte das mudas e quase matou a árvore. na alemanha, a árvore foi devorada por coelhos. ele me escreveu: não é que o trabalho tenha fracassado, mas de alguma forma ele ainda não aconteceu plenamente.
flávio brunetto me disse que, se fosse um artista contemporâneo, o seu trabalho seria todos os desenhos que apagou ou pintou por cima. ele trabalha em museus. e listou alguns dos trabalhos, como um desenho da brígida baltar, da série das coletas/umidades, um desenho da série buracos do diego rayck. e mencionou também todas as propostas de exposições e portfólios que ele se encarregou de picotar de artistas não selecionados em editais.
alfredo jaar, em 1994, realizou mais de 3 mil fotografias das vítimas da guerra de ruanda mas, não mostrou nenhuma das imagens. colocou-as em 550 caixas fechadas, com apenas uma descrição textual na tampa de cada caixa. as imagens estão lá, dentro das caixas, mas não são mostradas.
manzoni instalou, em 1961, um bloco de ferro e bronze ao ar livre em um museu na dinamarca. as palavras socle du monde (base do mundo) estão gravadas de cabeça para baixo no bloco. ele incluiu todo o mundo nesse pedestal, como obra de arte.

em linhas, manzoni faz uma série de cilindros fechados, contendo linhas de diferentes extensões. uma única linha desenhada em um rolo de papel, colocado dentro de um cilindro de cartão preto. a eti-queta informa a data e a extensão da linha. conforme foi reiterado pelo artista, os cilindros não podem ser abertos, devem ser mostrados sempre lacrados. a linha não pode ser vista.

em linha de comprimento infinito, manzoni apresenta um cilindro de madeira sólido, preto, muito similar aos cilindros que contêm as demais linhas. ele contém e esconde, potencialmente, uma linha de comprimento infinito.
leila danziger fala de melancolia e de uma resistência ao aceleramento vertiginoso do tempo, da ânsia por uma experiência de tempo resistente. ela diz: bem sei que essa demanda se apresenta como impossibilidade, como aporia, ou, nas palavras de agamben, como a necessidade de “ser pontual num compromisso ao qual se pode apenas faltar”.
bil lühmann fez um desenho de caixas, bolsas, livros, malas e uma legenda-título manuscrita diz: tudo que eu tenho.
jiri kovanda se escondeu atrás de uma coluna durante toda a abertura da exposição atrás do futuro, em praga, em 1976.
hans-ulrich obrist realiza entrevistas obsessivamente. ele diz possuir mais de 1400 horas gravadas de entrevistas. entende essas conversas como um protesto contra o esquecimento. em suas entrevistas ele pergunta sempre por projetos não realizados, seja por serem grandes ou pequenos demais.
em entrevista, maurizio cattelan fala que a maioria dos seus projetos não realizados foram rejeitados. ele diz que na maioria das ve-zes esses projetos são mais interessantes como idéias irrealizáveis.

entre os projetos não realizados, ele pretendia dar uma forma bidimensional a peixes dourados, criando-os em um finíssimo aquário.



cattelan diz que desejou criar uma universidade do fracasso, como uma maneira de insinuar fraqueza em um sistema obcecado com o sucesso.

ele propôs uma bolsa para um artista não expor durante um ano, recebendo o dinheiro para se excluir do circuito artístico no período. ninguém aceitou.

ele diz: tenho medo de voltar para um emprego regular, voltar para um mundo onde nenhuma parte de você é permitida estar viva, e você permanentemente preso nesse processo no qual gasta sua energia produzindo algo que nao significa nada para você.

em 1997, cattelan apresentou simples, simplicíssimo, impossível: para o projeto de escultura na alemanha, fez uma série de entrevistas e relatos descrevendo projetos de esculturas não realizados em 3 edições desse mesmo evento. sua idéia era de criar em quem escuta uma versão da escultura ausente.







em 1998, cattelan realizou um projeto não realizado de alighiero
boetti. ele colocou uma oliveira sobre terra dentro do espaço expositivo. 
o projeto de boetti chamava-se monumento à agricultura, e pretendia instalar uma árvore sobre 25 m de terra, com as camadas de terra visíveis. a data do projeto é 1969-70 e envolveu um ano de pesquisa, mas acabou não realizado. durante muito tempo esse trabalho não realizado de boetti foi comentado. estórias de uma imagem. testemunhas de uma imagem não realizada.
pensar em algo que vai ser esquecido para sempre
um projeto de cildo meireles que propunha instalar uma réplica em tamanho real de uma casa popular junto aos arcos que interligam os
edifícios de administração pública de glasgow foi recusado. o projeto tensionava as noções de centro e periferia e as zonas políticas e simbólicas envolvidas.
em self erased drawing (primeira versão, em escala reduzida, da
instalação posteriormente desenvolvida e intitulada +/-), mona hatoum apresenta um mecanismo formado por uma superfície contendo areia, em que uma pá move-se circularmente a partir de um eixo central. ao entrar em movimento, a metade da pá, ranhurada, desenha linhas circulares na areia enquanto a outra metade, lisa, apaga o desenho, continuamente.
i met / i went: on kawara registrou ações que realizou diariamente a partir de 1968. uma linha desenhada sobre um mapa indica os lugares. uma lista dos nomes das pessoas que encontrou.

há dias em que ele não encontrou ninguém? há dias em que ele não foi a lugar nenhum? há pessoas que ele omitiu ou simplemente esqueceu de ter encontrado?
edson de sousa, por e-mail, me disse: sobre a questão de trabalho e fracasso, veja o último capítulo do volume 2 do ernst bloch - princípio esperança. edson começa o livro a invenção da utopia com uma passagem muito bonita sobre as sapatarias, talvez uma das experiências mais contundentes da imperfeição do mundo. ele fala do trabalho de consertar as coisas, fala da função da utopia como forma de esburacar e quebrar imagens consolidadas, abrir outros caminhos ao pensamento, resistir ao imperativo do consenso.
ele retoma a narrativa de kipling, a história mais linda do mundo, como a história de êxito de um fracasso. e pergunta se não seria essa a função ética da utopia, nos responsabilizar pelo que fracassa.
ícaro: para escapar do labirinto, voa com asas de penas de gaivota e cera de abelha. contrariando o conselho do pai, ele se aproxima do sol. as asas derretem e ele cai no mar.

danaides: 49 mulheres carregam água para, inutilmente, encher um tonel furado.

sísifo: empurra uma pesada pedra, colina acima, para em seguida vê-la rolar colina abaixo para o mesmo lugar. interminavelmente.
bataille fala da experiência do não-saber e da dificuldade
metodológica da experiência, que serve-se do projeto para, paradoxalmente, ultrapassá-lo. ele diz que o saber nos condiciona ao que conhecemos e que os pressupostos limitam indevidamente a experiência: aquele que já sabe não pode ir além de um horizonte conhecido.

agamben fala que a potência não se esgota no ato, mas antes disso, cresce no ato. ele diz que um pianista não acaba com sua potência de pianista ao executar uma determinada peça, mas, ao contrário, quanto mais vezes executa a peça, mais conserva e aumenta a sua potência de artista. ao afirmar que ter a potência de pianista equivale a poder executar e poder não executar as obras, agamben afirma que a potência de não ser pertence a toda potência, e só será realmente potente quem, no momento da sua passagem ao ato, não anular a própria potência de não. dessa forma, ele propõe repensar a relação entre potência e ato, possível e real, destacando que a vida deve ser compreendida como potência que incessantemente excede as suas formas e realizações. 

agamben também fala que uma obra vale não pelo que efetivamente contém, mas pelo que fica em potência, pelas possibilidades que ela sabe conservar, para além do que se escreveu. isso revela um compromisso com o que está por vir (no próximo texto, nos leitores), e também com passado, mantendo aberta a possibilidade de repetir, retomar e, inclusive (e sobretudo), a possibilidade de não ser ou de ser de outra maneira: o que podia não ser e foi se dissipa no que podia ser e não foi e, segundo o autor, é isso que confere sentido à escrita e à leitura.
muitos projetos de cildo meireles levaram muito tempo para serem    realizados. a primeira montagem de desvio para o vermelho foi 17 anos depois da primeira anotação. ocupações foi desenvolvido em 2004 e o projeto original é de 1968. ele diz: tem trabalhos que ficam anos. eu gosto quando faço uma anotação, começo de um projeto, deixo na gaveta, de vez em quando volto para dar uma olhada. é uma espécie de decantação. ele fala que, num segundo momento, já está pensando em outras soluções, encara de outra maneira o conceito inicial.
isso também para dar uma oportunidade para alguém fazer aquele projeto antes, daí você não precisa fazer. economiza.

eu gosto, quando tenho possibilidade, de deixar dormindo os projetos.




em sermão da montanha, a potência e o risco de o trabalho incendiar. em volátil, o cheiro de gás e a vela.



na documenta de kassel de 2002, picolés de água são distribuídos em carrinhos, dentro de embalagens brancas, sem qualquer sinalização gráfica. os palitos têm três cores e formas diferentes. o trabalho chama elemento desaparecido. cildo conta que, em 1974, em goiás, viu crianças vendendo picolés aparentemente iguais com três preços diferentes: 1,50 (de creme, com leite), 1 (de fruta) e 0,50 (de água).
kan xuan registra em vídeo a ação de descascar uma cebola e a tentativa de remontá-la e, senão de forma imperfeita, encontrar o lugar certo para cada pedaço.
diego rayck me contou que narcís monturiol y estarioll, inventor e construtor do primeiro submarino no século xix, teve uma série de infortúnios. ele não conseguiu vender sua invenção e, falido, precisou vendê-lo e o submarino acabou sendo desmontado. mas ele não era um artista, disse o diego.
junto com o arquivo do livro revisado, daniel lühmann me escreveu dizendo que revisar é, por si só, um trabalho de fracasso, ou de fracassados. ele argumentou que se trata de buscar as falhas grama-ticais e ortográficas de quem escreveu. e disse também que a revisão consiste na luta perdida pela correção da língua, uma instituição que se constrói ruindo.
em email, a ana me disse que, como concluiu, o fracasso é abordado aqui como um desejo que nos olha, nos exige, um inescapável... um pouco infernal, mas muito mais interessante do que como uma lição.
ela me disse: obviamente me lembrei muito do meu pai e do trabalho interminável e necessariamente fracassado que era mantê-lo vivo. eram cuidados com ele, para que não se sentisse tão doente ou vulnerável, mas eu tinha a sensação, por ser um trabalho inexoravelmente sem sucesso (ele nunca recobraria a saúde), me parecia um trabalho de cuidar da própria morte, mantê-la indefinidamente entre nós.
raquel stolf tem o projeto de ir até um tatuador, planejar uma tatuagem sobre a mão direita e, quando ele encostar a agulha na pele, pedir para ele parar ali mesmo. e ficar com um ponto inconcluso na mão, sempre à vista.

projetos não realizados para a publicação:

1 desenhar todos os dias
2 série de desenhos com lápis de cor. pensava em retomar uma insistente delicadeza de gesto que me ocupava obsessivamente no passado: preencher grandes áreas de cor, formando uma superfície o mais homogênea possível, sem deixar aparecer nem o gesto, nem a sobreposição de camadas.
desejo de uma superfície de cor homogênea. céu azul, água, céu nublado, noturno, noite muito escura. com lápis de cor escolar.
3 desenhar linhas verticais, linhas horizontais e superfícies quadriculadas à mão livre. passar muito e muito tempo desenhando, repetidamente. experimentar o suposto esvaziamento, a concentração de um gesto. perder muitíssimo tempo num desenho (numa mesquinha contabilidade). sem que o trabalho resultasse em nada precioso ou meticuloso. um desenho geométrico, mas imperfeito porque feito à mão.

traças



em 2009-11, esta instalação, que consiste na apresentação de casulos de traças alinhados na parede do espaço expositivo, foi compreendida como uma proposta conceitual e incorporada ao acervo do museu de arte de santa catarina. nesta versão do trabalho, um projeto conceitual, a coleta de casulos vazios de traças deve ser realizada nas dependências do museu pela sua própria equipe técnica para apresentação no espaço de exposição. além de incorporar a dimensão processual (e não apenas os indícios materiais), o trabalho potencializa o paradoxo de que a quantidade de traças apresentada indica não apenas o envolvimento da instituição na manutenção do trabalho, mas também sinaliza as suas condições de conservação. ou seja, se, por um lado, a escassez de casulos coletados indica a assepsia da instituição, por outro, impede ou reduz significativamente a visibilidade da obra de arte que integra sua coleção.
o trabalho tem um fracasso embutido, pensando fracasso como dimensão paradoxal em relação ao lugar e à visibilidade do trabalho na instituição.

peso/sopro




o esforço para medir o peso de um sopro, em tentativas repetidas. a ação consiste em soprar uma pequena balança de precisão, experimentando diferentes intensidades e variações de duração. o vídeo mostra a
reiteração de um gesto, num processo de antemão pautado na própria falibilidade do empenho. fazer uma coisa que não pode ser feita, que sabe-se que não pode ser feita. e ficar tentando. a repetição insistente. uma espécie de insubordinação ao fracasso, partindo dele para, numa teimosa insistência, valorizar o gesto e refutar a importância do resultado.

durex




um pequeno quadrado de fita adesiva em uma folha de papel. a expectativa de que o adesivo, com o passar do tempo, deixe uma marca no papel. uma página em branco na espera de uma imagem. uma imagem formada pelo contato entre o papel e o adesivo. a intervenção foi desenvolvida e publicada na revista bolor no 1, em 2010.

cubos



projetos que envolvem a produção de um cubo contendo outro cubo, menor, de um outro material, em seu interior.
um cubo de pedra com um cubo de água dentro.
um cubo de metal com um cubo de sal dentro.
um cubo de papel com farelo de pão dentro.
desejo de criar uma situação em que, potencialmente, haja uma interação a partir do contato entre os materiais e estes possam se afetar, de forma silenciosa e invisível, de dentro para fora. como a oxidação do metal pelo sal ou da proliferação de umidade/mofos - provocando manchas no papel. o trabalho é pensado como potência, sutil e não necessariamente visível, daquilo que pode acontecer ou não. algo que pode também prolongar-se numa tal extensão temporal que excede os limites temporais comuns de uma exposição. uma imagem cercada de dificuldades técnicas e a incerteza da possibilidade real de materializar a proposta.